sábado, 14 de junho de 2014

Orfeu


Na mitologia grega, Orfeu era poeta e médico, filho da musa Calíope e de Apolo ( em outras versões, filho de Calíope com o deus-rio Eagro, rei da Trácia).
Orfeu nasceu nas vizinhanças do Olimpo, frequentado pelas musas. Ele era excelente poeta, cantor e músico, sendo considerado o inventor da cítata. Passava o dia cantando ao som de sua lira, a qual aumentou de sete para nove cordas. 
Seu canto era tão melodioso que, ao ouvi-lo, os homens mais brutais ficavam sensibilizados, as feras mais ferozes vinham repousar a seus pés mansamente, os pássaros pousavam nas árvores, os rios suspendiam seu curso e as árvores formavam coros de dança.
Devido a sua fraqueza física, Orfeu participou da expedição dos Argonautas apenas marcando a cadência dos remadores. Acalmava as brigas que aconteciam no navio com sua lira. Durante a viagem de volta, Orfeu salvou os outros tripulantes quando seu canto silenciou as sereias, responsáveis pelos naufrágios de inúmeras embarcações.
Orfeu era apaixonado pela ninfa Euridíce e casou-se com ela. Mas Eurídice era tão bonita que, pouco tempo depois do casamento, atraiu um apicultor chamado Aristeu. Quando ela recusou suas atenções, ele a perseguiu. Tentando escapar, ela tropeçou em uma serpente que a mordeu e a matou. Por causa disso, as ninfas, companheiras de Eurídice, fizeram todas as suas abelhas morrerem.
Orfeu abandonou-se à dor. O pranto de sua lira encheu os campos e subiu ao Olimpo, mas ele, cego de desespero, desceu ao Hades à procura de sua amada. Ao som de sua lira, Caronte atravessou-o em seu barco, Cérbero parou de rugir e, à sua passagem, Tântalo se esqueceu da fome e da sede, as Danaides pararam de encher o tonel furado e os sofredores se distraíram de suas penas.
Quando chegou ao palácio das profundezas, Hades e Perséfone já o esperavam.
- Muito bem - disse Hades, depois de ouvir as súplicas de Orfeu. - Permito que sua noiva o acompanhe, mas imponho uma condição: você irá a frente e ela o seguirá e, por motivo nenhum, poderá olhar para trás ou a perderá para sempre.
Orfeu deixou o salão denso de brumas cheio de esperanças e procurou a estrada que levava às portas de Hades. Mal deu os primeiros passos, sentiu que estava sendo seguido. Passos leves e tímidos o seguiam, mas nada conseguia ver com os cantos dos olhos. Não se voltou. A felicidade que sentia era imensa. Eurídice estava logo atrás e sairia com ele. As lembranças ferviam em sua cabeça e ele se apegava a elas para resistir à tentação de olhar para trás. E junto com ela, apareceu também Aristeu, apaixonado, tentando tocá-la, tentando possuí-la.
- E se a serpente não a tivesse picado? - pensou ele subitamente. - Teria ela resistido aos encantos de Aristeu? Quem sabe, no íntimo, ela também não desejava o amor daquele criador de abelhas? - procurou se lembrar do olhar de Eurídice e viu-o cheio de paixão. - Por ele ou por Aristeu?
O ciúme se instalou em sua alma.
- Preciso saber - disse baixinho - preciso ter certeza do porquê do brilho de paixão que vi nos olhos dela na última vez em que me contemplou. Se eu pudesse ver seus olhos novamente...
Foi saudade, a dúvida ou o ciúme que fez Orfeu olhar para trás? Nem mesmo ele soube dizer. Quando deu por si, estava extático, vendo a imagem de Eurídice diluir-se no ar. E a última coisa que se apagou foi o brilho da paixão que acendia seus olhos...
Mergulhado em seu sofrimento, Orfeu não quis mais nenhum contato com mulheres e isolou-se em seu meio à sua dor.
Posteriormente deu origem ao Orfismo, uma espécie de serviço de aconselhamento; ele ajudava muito os outros com seus conselhos, mas não conseguia resolver seus próprios problemas, até que um dia, furiosas por terem sido desprezadas, um grupo de mulheres selvagens chamadas Mênades caíram sobre ele, frenéticas, atirando dardos. Os dardos de nada valiam contra a música do lirista, mas elas, abafando sua música com gritos, conseguiram atingi-lo e o mataram. Depois despedaçaram seu corpo e jogaram sua cabeça cortada no rio Hebro, e ela flutuou, ainda cantando, "Eurídice! Eurídice!"
Chorando, as nove musas reuniram seus pedaços e os enterraram no monte Olimpo. Dizem que, desde então, os rouxinóis das proximidades cantaram mais docemente que os outros. Pois Orfeu, na morte, se uniu à sua amada Eurídice.
Quanto às Mênades, que tão cruelmente mataram Orfeu, os deuses não lhes concederam a misericórdia da morte. Quando elas bateram os pés na terra, em triunfo, sentiram seus dedos se espicharem e entrarem no solo. Quanto mais tentavam tirá-los, mais profundamente eles se enraizavam. Suas pernas se tornaram madeira pesada, e também seus corpos, até que elas se transformaram em carvalhos silenciosos. E assim permaneceram pelos anos, batidas pelos ventos furiosos que antes se emocionavam ao som da lira de Orfeu, até que por fim seus troncos mortos e vazios caíram.

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